O País discute premissas, bases e idéias para o desenvolvimento de um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Da discussão participam ativamente o governo, além de entidades de classe, agentes de mercado e consumidores. O Congresso Nacional também se mobilizou para atuar ou pelo menos entender o processo e as propostas. Nesse ponto questiona-se: onde está a Anatel?.
Órgão regulador setorial, principal incumbido do entendimento e regulação do setor no país, com a missão de desenvolver uma visão tripartite que abarque os interesses de consumidores, governo e agentes de mercado, de planejar, contribuir e influir na determinação das políticas públicas com estudos e expertise, ele se encontra completamente ausente desse processo.
Se a sua ausência evidencia o desprestígio da Agência e decorre do insucesso em demonstrar à sociedade que sua atuação foi no sentido de garantir qualidade, concorrência e fomentar novos investimentos, ou seja, se houve falha ao desempenhar o papel ao qual foi incumbida pela Lei Geral de Telecomunicações (regular o mercado), ou, se evidencia um grave problema de influência sobre o órgão regulador, o fato é que pelo menos a ausência da Agência na discussão do PNBL certamente enfraquece a acuidade, legalidade e firmeza do plano.
Não se pode esquecer que a competência expressa no inciso III do art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97, doravante LGT) não é um poder, mas um poder-dever, ou seja:
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
III - elaborar e propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministro de Estado das Comunicações, a adoção das medidas a que se referem os incisos I a IV do artigo anterior, submetendo previamente a consulta pública as relativas aos incisos I a III;
O texto nos remete ao art. 18:
Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:
I - instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
II - aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público;
III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público;
Nesse sentido ao Ministério a lei reservou atribuições específicas que devem ser consideradas e por outro lado a participação da Agência é não só de execução (inciso I do art. 191) de planos, mas também de planejamento e proposição. E assim é, porque enquanto agente que acompanha o mercado de telecomunicações, detém o conhecimento técnico primordial para avançar qualquer plano ou política.
Do ponto de vista técnico: num plano nacional de banda larga o que significa banda larga? Qual a banda recomendada para que o cidadão brasileiro possa usufruir de serviços avançados e com elevado grau de conectividade? Como otimizar o uso de uma infraestrutura existente que não pode ser economicamente duplicada (facilidade essencial), para que o usuário final tenha acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas além de mais opções? Como ampliar os meios de acesso para novos operadores? Qual o estudo econômico que demonstra a viabilidade e expansão da prestação de um serviço? Quais áreas e condições permitem a exploração economicamente viável? Quais os modelos de negócios, tecnologias disponíveis noção de custos?
Será que de fato uma empresa pública gestora de infraestrutura pode contribuir? Quais os contornos e limites que deveriam pautar a sua atuação para que essa empresa pudesse ser indutora de competição e da diversidade dos serviços, incrementando sua oferta e propiciando padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários2? Como a empresa estatal atuaria no fortalecimento do papel do Estado regulador (art. 18, inciso IV)?
Enfim, um plano envolve uma complexidade de informações, dados, estudos que a Agência por vivenciar o setor, acompanhá-lo de perto e compreendê-lo estaria apta a trazer contribuições.Não é sem menos que de outro lado resta um plano publicado3 que apenas se configura como uma diretriz geral para fins das questões acima e que no seu bojo remete a um comitê a tarefa de fixação das regras, grupo este que não inclui o agente regulador.
O que recentemente se formalizou foi apenas e tão somente a intenção de transformar a Telebrás na empresa não só gestora da infraestrutura para levar banda larga de forma ampla aos municípios do país, como também, prestadora de serviços onde não houver oferta “adequada” (embora os critérios não sejam claros para a avaliação). Essa medida integraria apenas parte do Plano Nacional de Banda Larga, um plano ainda por construir. Embora plano implique projeto, ou conjunto de providências e medidas, até o momento há concretamente apenas e tão somente a ressuscitação da empresa pública.
Sem adentrar ao mérito do Plano em si, de como ele cumpre as determinações do art. 2º da LGT (ver nota 2) que obriga a todo o Poder Público (de todas as esferas da federação), ou mesmo da legalidade da única medida até o momento adotada (ver nota 3), o fato é que não se deu qualquer satisfação à sociedade quanto aos seus fundamentos técnicos, medidas e reais objetivos.
Esse cenário é não só desfavorável, mas extremamente perigoso para o setor que demanda elevados investimentos, atua com perspectivas de longo prazo e necessita segurança jurídica e institucional. Os efeitos das decisões adotadas não são somente imediatos, mas perduram por anos.
Não se pode aceitar simplesmente que a Agência se desvie de sua responsabilidade e permaneça apartada desse processo. É fundamental que o governo e a sociedade atuem para que ela integre a formação do Plano, não só como mera executora, mas exerça plenamente suas atribuições legais. Do contrário, quem perde com esta realidade é certamente o País.
Referências
1“I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;”
2Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.
3Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010 que “Institui o Programa Nacional de Banda Larga – PNBL; dispõe sobre o remanejamento de cargos em comissão; altera o Anexo II ao Decreto nº 6.188, de 17 de agosto de 2007; altera e acresce dispositivos ao Decreto nº 6.948, de 25 de agosto de 2009; e dá outras providências”.
Fonte: Teleco em 21/05/2010